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A vida como retorno do recalcado

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O post abaixo contém spoilers dos dois eps da série. Algumas ideias me vieram à cabeça enquanto pensava sobre a série The last of us. Essas ideias queriam juntar cenas das pessoas correndo desesperadas de um apocalipse zumbi fúngico com o livro Exterminate all the brutes de Sven Lindqvist. Esse livro eu comprei depois de meses esperando um dinheiro sobrar, e nas primeiras páginas senti uma excitação que me lembrou meus primeiros livros. Nossa, sentia um frio na barriga como se eu estivesse diante de um pequeno tesouro, algo precioso que estava em minhas mãos; palavras e desenhos com cheiro de folhas novas, tudo isso estava brotando de meus olhos enquanto começava a ler este livro.  A ideia é a seguinte: E se a vida que brotava da goela dos infectados fosse o retorno de uma vida recalcada pela civilização ocidental?  Freud enuncia essa antinomia(uma contradição profunda) em seu mal estar na civilização: "Do lado da cultura, a tendência a restringir a vida sexual não é menos clara d

Ouroboros

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Nighthawks - Edward Hopper " Sentar-se no inferno e aí assar é o que produz a pedra filosofal; como diz o autor, o fogo é extinto com sua própria medida interior. A paixão tem sua própria medida interior; uma libido caótica é algo que não existe, pois sabemos que o inconsciente, como natureza pura, tem seu equilíbrio interior. A falta de equilíbrio provém da infantilidade da atitude consciente. Se apenas seguirmos nossas paixões, de acordo com suas próprias indicações, elas nunca irão muito longe, elas conduzirão sempre à própria derrota ." Marie-Louise Von Franz Antônio é um rapaz com seus vinte e cinco anos, trabalha de chapeiro em um bar na esquina da avenida Ibirapuera. Moreno, com a barba rala, vestindo um uniforme preto, manobra as espátulas com uma velocidade modulada pela experiência de anos, um ritmo de barulhos gostosos... dá até vontade de pedir que ele fique ali limpando a chapa só pra eu fazer uma sessão de relaxamento.  O espaço de trabalho é enxuto, um T de pou

Só sei que amorte.

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  "Mas o amor é justamente aquilo que nos mostra que não estamos no controle. 'O amor é nossa maior lei de Murphy', você me disse, com os olhos apaixonados, me contando o quão difícil foi pra você terminar o seu noivado porque me conheceu no meio dele. Eu quase morri ao ouvir isso, só não morri porque sabe-se lá quantas vidas eu precisaria viver de novo até chegar a uma onde você me amasse novamente." Ana Suy Tentei escrever outras coisas nesse final de semana, mas não consegui. Parecia que eu estava querendo que meu cavalinho fosse pra lá, para as bandas de lá... vamos cavalinho! Anda! E nada. E aqui estou eu, novamente falando de amor. Rendido nessa manhã de segunda-feira, deixo ele ir para onde ele quiser.  Escreva. Queria falar sobre decisão. Isso pra mim é um tema épico. A poesia em prosa da Ana Suy foi você que me deu, então a culpa é em parte sua, usarei contra você...rs Ultimamente ando pensando na gente e fui percebendo que nós nos relacionamos em modo revers

Amor Vietnã

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Viet cong camuflados em campo de arroz Diferente de certas histórias de amor em que os protagonistas sofrem as vicissitudes de um amor assumido, a história de hoje conta um amor como uma força sorrateira, torturada, aniquilada, bombardeada, camuflada, escondida em túneis, matagais e pântanos... um amor guerrilha que aparece quando as pessoas estão despreparadas, perdidas em seu ordinário cotidiano. Um amor que come sozinho, vive e persegue os rastros do amado.  Encontrei o amor na lateral de um prédio que frequento. Sentada ali papeando. Eu sento também e papeio. Ela estava conversando com uma amiga que eu frequentava para fumar e falar da vida. Sempre conversei com ela e, naquele dia, me deu uma vontade de perguntar... onde você escondeu essa mulher linda todo esse tempo? Vestida pra ginástica em uma tarde que o tempo virou, você não é daqui né? Não trouxe nem uma jaqueta? Vai passar frio mulher!  Eu não fumo, mas ali com a amiga eu fumo. Adivinho signos, gosto de adivinha-los porque

O monoteísmo como contrareligião

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 "Diferente de Moises, Aquenaton, Faraó Amenofis IV, foi uma figura exclusivamente histórica e não de memória. Logo após sua morte, seu nome foi apagado da lista dos reis, seus monumentos foram destruídos, sua palavras e representações foram destruídas, e quase todo traço de sua existência foi apagada. Por séculos ninguém sabia dessa extraordinária revolução. Até sua redescoberta no século 19, praticamente não havia memória de Aquenaton. Moises representa o caso reverso. Nenhum traço de sua existência histórica jamais foi encontrada." Jan Assmann  Meu interesse por Jan Assmann surgiu em uma leitura de O Zelo de Deus, uma crítica do monoteísmo empreendida por Peter Sloterdijk, quando este autor elogia a competente reconstrução da história egípcia feita por Assmann em sua obra Moisés o egípcio. O monoteísmo, junto com o mal e o pecado original, estão bem no centro da minha investigação particular.  Por que essa obsessão pelo monoteísmo? Eu sinto uma raiva abissal pelo pensament

Por um encontro possível

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Foto de uma escola canadense criada para "aculturar" crianças indígenas    "Você já sabe o suficiente. Eu também. Não é de conhecimento que precisamos. O que está faltando é a coragem para compreender o que nós sabemos e tirar conclusões." ― Sven Lindqvist, Exterminate all the Brutes - livro tema do documentário Exterminem todos os brutos de Raoul Peck (HBOmax)  Quando os colonizadores chegaram na costa das Américas, ocorreu um grande desencontro. Os europeus entenderam que estavam diante de uma grande oportunidade de negócios, uma Índia elevada a décima potência que poderia dar aos colonizadores vantagens comerciais incalculáveis. Os povos originários foram chamados de índios - um nome genérico. Dali em diante seriam todos um povo exótico, um estorvo colocado entre os europeus e seus produtos. Os índios não foram encontrados, foram dizimados. Seria como a gente andando na rua e cumprimentando alguém que sorri, porém, para uma pessoa atrás da gente. Quando alguém me

A conversão sádica do capitão

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Quando o filme tropa de elite foi lançado em 2007 eu estava saindo da escola militar e iniciando a carreira como sargento da aeronáutica. Pude ver ao vivo a transformação do filme concebido como crítica, para o seu oposto - um filme que exaltava o sadismo como política de segurança pública. Essa transformação me parece pouco explorada, ambígua, e a sequência me pareceu uma forma de corrigir a trajetória estranha do primeiro, porém, o estrago já estava feito. Todas as cenas de tortura policial eram recebidas com celebração, "vou colocar você no saco" e "não atira na cara para não estragar o velório" se tornaram brincadeiras comuns. O vocabulário militar do zero um, aspira, a pica não é mais minha, entuba, etc. se tornaram expressões populares. A cultura militar atingiu o grande público e isso me parece clarear nossa dificuldade em construir uma cultura menos violenta. O grande público respira violência, e a ingenuidade está do lado da elite intelectual que imagina po